A MESA

"(...) Comer
guarda tamanha importância
que só o prato revele
o melhor, o mais humano
dos seres em sua treva?"
Carlos Drummond de Andrade em "A Mesa"

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Almoço com Virginia Woof em “um quarto só seu”

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Entrada: Linguado com creme branco

Prato principal: Perdizes acompanhados de molhos acres e doces, batatas finas, couves de Bruxelas suculentas

Sobremesa: pudim

Bebidas: vinhos de tons amarelos e escarlates

“(...) começou com um linguado servido numa assadeira funda, sobre o qual o cozinheiro da faculdade espalhara uma camada de creme mais branco, exceto pelo fato de haver, aqui e ali, algumas manchinhas marrons, como as que se vê no couro de uma corça. Depois vieram as perdizes, mas se isto as faz pensar em um ou dois pássaros carecas e marrons numa travessa, vocês se enganaram. As perdizes, que eram muitas, chegaram com todo o séquito de molhos e saladas, os acres e os doces, todos na ordem certa; suas batatas, finas como moedas, mas não tão duras, suas couves-de-bruxelas, folhosas como rosas, porém mais suculentas. E, assim que havíamos acabado com o prato principal e seu séquito, os homens silenciosos que nos serviam, e talvez fossem o próprio reitor numa manifestação mais branda, colocaram diante de nós, cercada de guardanapos, uma obra que se erguia como uma onda, toda feita de açúcar. Chamá-la de pudim e, desse modo, associá-lo a arroz e tapioca, seria um insulto. Enquanto isso, as taças de vinho haviam sido enchidas de amarelo e escarlate; sido esvaziadas; e voltando a se encher. E assim, gradualmente, foi acesa, na metade da espinha dorsal, que é a morada da alma, não aquela luzinha elétrica forte que chamamos genialidade, quando ela entra e sai pelos nossos lábios, mas o fulgor mais profundo, sutil e subterrâneo que é a chama viva e amarela da conversa racional.”

Virgínia Woolf. Um quarto só seu. Editora Bazar do Tempo. 2020. P. 27 e 28.