A MESA

"(...) Comer
guarda tamanha importância
que só o prato revele
o melhor, o mais humano
dos seres em sua treva?"
Carlos Drummond de Andrade em "A Mesa"

sábado, 24 de maio de 2014

'UM JANTAR SIMPLES' COM "OS BUDDENBROOK"


O jantar inicial, narrado em 8 capítulos, do livro de Thomas Mann: Os Buddenbrook, é a celebração do apogeu econômico e social de uma família burguesa alemã. O livro é a saga de sua decadência. Para este tipo de jantar não podem faltar bons pratos, serviço impecável e boas bebidas. Além das intrigas, ironias, preconceitos de classe, agressões sutis, porém, maliciosas, conflitos por interesses financeiros, galanteios e a gula. E tudo termina com cafés, licores e uma partida de bilhar, até a ruína bater à porta.



CARDÁPIO

A SOPA: Sopa quente de legumes com pão torrado

BEBIDA: Vinho tinto; vinho branco "C.F. Köppen"

ENTRÉE: Peixe

PRATO PRINCIPAL: "Enorme presunto, cor de tijolo, defumado e cozido, acompanhado por um molho de cebolinhas pardo e avinagrado. Junto seguia-se certa quantidade de verduras e legumes (brócolis, batatas etc.) e uma "Panela russa" - uma mistura de frutas conservadas em álcool e de gosto picante.

SOBREMESA:  Pudim de Pletten - uma construção de camadas de macrones, framboesas, biscoitos e creme de ovos e pudim com molho de rum em chamas.

BEBIDA: 3 garrafas de vinho malvasia cor de ouro, velho e doce. Vindas da adega inteiramente cobertas de pó e de teias de aranha

LE PLATEAU DE FROMAGES: Manteiga, queijo e frutas

BEBIDAS: Café e licor

PARA INALAR: Charutos

TRECHOS DO TEXTO
"- Então, como estamos todos com apetite, mesdames et messieurs...
Ida Jungmann e a empregada abriram os dois batentes da porta branca que dava para a sala de jantar. Lentamente, num andar confiante, os convidados a transpuseram. Na casa dos Buddenbrook podia-se contar com comida farta... p. 18
(...) com a ajuda de Ida e da empregada  da consulesa, do segundo andar, acabara de servir a sopa quente de legumes e o pão torrado. As colheres, cautelosamente, puseram-se em movimento. p. 22
(...) - Então, prezado senhor cônsul - disse o Pastor Wunderlich com um sorriso prudente, vertendo vinho tinto no seu copo e no vizinha -, então o senhor acha que, sem a associação com Geelmaack e sem aquela sua conduta desenfreada, tudo teria acontecido do mesmo modo? p. 24
(...) Lebrecht Kröger replicou:
- não, senhoes, prefiro agarra-me ao alegre presente.
Com gesto cauteloso e elegante, empunhou o gargalo da garrafa de vinho branco em cuja rolha se erguia um pequeno cervo de prata. Inclinando-a um pouquinho, olhou atentamente o rótulo e leu o nome 'C. F. Köppen'. p. 24
(...) As empregadas mudaram os prato se porcelana de Meissen, de bordas douradas. A Sra. Antoinette não afastava os olhos delas, e Ida Jungmann gritou ordens pelo porta-voz que ligava a sala de jantar com a cozinha. Sirva-se o peixe. p. 24
(...) Mudavam-se novamente os pratos. Surgiu um enorme presunto, cor de tijolo, defumado e cozido, acompanhado por um molho de cebolinhas pardo e avinagrado. Junto seguia-se tal quantidade de legumes que todos os presentes teriam podido servi-se de uma única travessa. Lebrecht Kröger encarregou-se do ofício de trinchar. Erguendo levemente os cotovelos, estendeu os dedos indicadores pelas costas da faca e do garfo e cortou com circunspeção as fatias macias. Servia-se também a 'panela russa', obra prima da Consulesa Buddenbrook, uma mistura de frutas conservadas em álcool e de gosto picante. p. 28
(...) - Por deus - disse Hoffstede,  arrumando no garfo uma porção de presunto, brócolis e batatas, que enfiou na boca, alçando as sobrancelhas. p. 28
(...) A fisionomia do Pastor Wunderlich, porém, permanecia alva, fina e animada, apesar de beber calmamente um copo depois de outro. p. 30
(...) Achavam-se sentados em pesadas cadeiras de espaldares altos, comendo coisas boas e pesadas, servidas numa pesada baixela de prata, e bebendo bons vinhos igualmente pesados. E, nos intervalos, os presentes conversavam. p 30
(...) As Senhoras acompanharam esse rumo da conversa por pouco tempo. A Sra. Kröger estava com a palavra, explicando, da maneira mais apetitosa, qual o melhor método de cozinha carpas em vinho tinto...
- Depois de cortadas em pedaços regulares, minha querida, ponha-se na caçarola, com cravos-da-índia, cebolas e biscoitos. Depois bote tudo no fogo com um pouco de açúcar e uma colher de manteiga. Mas, pelo amor de Deus, minha querida, não as lave, deixe todo o sangue dentro... p. 30
(...) - Ei, Christian, não coma tanto - gritou subitamente o velho Buddenbrook . - A Thilda não faz mal comer muito; esta menina come por sete homens...
Era verdadeiramente admirável o apetite que desenvolvia aquela criança magra e taciturna de rosto comprido e um tanto velho. Ao lhe perguntarem se queria mais um prato de sopa, respondeu vagarosamente e humildemente: - si...im  fa...z  fa....vor! - Do peixe e do presunto escolhera duas vezes dois pedaços com grandes porções de legumes. Inclinada sobre o prato, míope e diligente, devorava tudo; sem pressa e sem falar, engolia bocados enormes. (...) comia com o apetite instintivamente voraz de gente pobre que tem uma mesa franca em casa de parentes ricos; comia com um sorriso impassível, cobrindo o prato com as boas coisas, paciente, tenaz, faminta e magrinha. p.31-32
(...) Chegou em duas grandes travessas de cristal, o pudim de Pletten, uma construção de camadas de macrones, framboesas, biscoitos e creme de ovos. Na outra ponta da mesa levantou-se uma chama azulada: as crianças recebiam a sua sobremesa preferida: um pudim com molho de rum em chamas.
- Thomas, meu filho, por favor - disse Johann Buddenbrook, tirando do bolso da calça um molho de chaves. - Na segunda adega, você sabe, na segunda prateleira à direita, duas garrafas da que ficam atrás do Bordeaux tinto...
E Thomas, que já sabia do que se tratava, foi correndo e voltou com as garrafas inteiramente cobertas de pó e de teias de aranha. Mal escoara desse vasilhame pouco vistoso o vinho malvasia cor de outro, velho e doce, que enchia agora os copinhos de cristal, e já Wunderlich se levantava. Os convivas emudeceram. O pastor, de copo na mão, proferiu um brinde eivado de graça (...)
- E agora, meus prezados amigos, façam-me o favor de esvaziar comigo um copo deste líquido delicioso, num voto de prosperidade para os nossos venerados anfitriões, no seu magnífico novo lar... bebamos à prosperidade da família Buddenbrook, dos seus membros presentes e ausentes... Vivant! p.33
(...) Mandou que Thomas fosse buscar mais uma garrafa de malvasia, pois errada no cálculo de que duas seriam suficientes. p. 34
(...) No fim do seu discurso o pudim de Pletten estava quase consumido e o malvasia para acabar. p. 34
(...) Deixou a sala rapidamente, seguindo a empregada que acabava de servir manteiga, queijo e frutas. p. 36
(...) Ele mesmo, Friedrich Grabow, não era daqueles que desdenham os perus recheados. Ainda hoje, o presunto ao molho de cebolinhas... diabo, como estava delicioso!... e depois - já quase sem fôlego - esse pudim de Pletten... macrones, framboesas e creme de ovos, sim senhor... p. 37

(...) No salão há charutos para quem quiser e um cafezinho para todo mundo, e, se minha mulher for generosa, teremos também um copinho de licor... p. 38

Thomas Mann em "Os Buddenbrook", Editora Nova Fronteira

sexta-feira, 23 de maio de 2014

COMIDA ÁRABE EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS

CARDÁPIO

* "Carne moída com semente de trigo"
KIBBEH  (kibe) - Bolinho de carne de cordeiro moída com trigo  (bulgur).
KIBBEH NAYE  (kibe cru) - Carne moída crua com trigo (bulgur).

* "Outros guisados"

* "Recheio bom em abobrinha ou em folha de uva" abobrinha recheada ou charuto
MEHSHI - Vegetais recheados com carne picadinha ou moída. Em algumas receitas usa-se a carne misturada com arroz no recheio. O mais comum é usar berinjela, abobrinha, folhas de uva, de couve ou repolho.

*  "aquela moda de azedar o quiabo - supimpas de iguarias"
BAMIA (Okra o Gombo) - É o nosso quiabo. Fresco ou em conserva, é servido como acompanhamento de carnes e frango.

* "Os doces, também"
LOKUM (loukoum, loukoumi, Loukoum, turkish delight) - Doce de origem turca, cujo nome original completo é "rahat lokum", que se difundiu por todo o mundo, sendo muito apreciado. Antigamente, chamava-se de Lokum a uma grande variedade de doces turcos, a maioria deles elaborados a base de açúcar e cremes, conhecidos, também, por “delícias turcas”. Com o tempo, a denominação de Lokum se restringiu a um único produto - uma espécie de geleia cortada em cubos e recoberta com açúcar de confeiteiro, feita de amido, açúcar e água. Um processo especial durante sua elaboração lhe confere uma textura suave e elástica. Pode ter vários aromas e cores. O mais tradicional é rosado e aromatizado com água de rosas. Algumas receitas incluem frutos secos picados, como nozes, avelãs ou pistache. É um quitute fino, muito usado em festas, para presentear ou para receber convidados.
MAZAHER - Destilado não alcoólico de flor de laranja - água de laranjeira. Usado no preparo de doces e sobremesas como a macedônia e laranja com canela, etc... Água de flor de laranjeira.
MÂ EL WARD  - É um destilado de flor de rosas, muito aromático, usado no preparo de doces. Água de rosas.

TEXTO

"Aí namorei falso, asnaz, ah essas meninas com nomes de flôres. A não ser a Rosa'uarda -  môça feita, mais velha do que eu, filha de negociante forte, seo Assis Wababa, (...) - ela era estranja, turca, eles todos turcos, (...) diversas vêzes me convidou  para almoçar em mesa. O que apreciei - carne moída com semente de trigo, outros guisados, recheio bom em abobrinha ou em folha de uva, e aquela moda de azedar o quiabo - supimpas iguarias. Os doces, também. (...) Tôda a vida gostei demais de estrangeiro."


João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas" p. 110, 2º edição: Livraria José Olympio